Gesso

Em 1984, já estudante de engenharia, eu tive um acidente de carro grave. O resultado foi meu braço direito quebrado e imobilizado por muitos meses, após uma cirurgia.

Ao sair do hospital meu pai, sem comentar uma palavra, me levou direto para ver o carro. A imagem de um Dodge Dart completamente destruído nunca saiu da minha cabeça. Hoje me lembro com gratidão por não termos morrido.

Imediatamente me deparei com uma escolha, trancar o semestre ou não. Eu sou destro, na época não existiam computadores, ou seja, se escrevia muito. Tinha que lidar com o fato de que tomar banho com o tórax totalmente engessado seria um desafio. 

Enfim, a escolha óbvia era trancar e voltar um dia, quando minha saúde estivesse bem. Desistir era a coisa mais sábia a ser feita.

Eu senti nesse momento uma sensação estranha, que não sei explicar mas sei reconhecer. Essa mesma sensação me veio várias vezes em momentos péssimos da minha empresa. 

Empreender no Brasil significa que a sua personificação jurídica, a PJ, irá viver várias vezes momentos de quase morte ou incapacitação.

A cada dificuldade empreendedora agradeço ao meu Eu de 1984 pela decisão tomada.

Aprendi a escrever com a esquerda, arrumei um esquema de caronas, descobri um jeito engenhoso de lavar por baixo do gesso, ou pelo menos disfarçar o cheiro ruim. Eu sei que fui em frente com todas as chances contra.

E usei isso ainda muitas vezes após tirar o gesso e a platina do braço. Aprendi a colecionar pequenas vitórias. Nunca vou esquecer o dia em que consegui pegar o shampoo com o braço direito. 

Foram semanas treinando o braço direito a escalar caminhando com o dedo. Eu  podia ter colocado o shampoo no chão, mas isso não me faria crescer.

Em momentos em que nossas PJs estão sofrendo, por não alcançar sequer pequenas coisas, eu sempre me lembro do shampoo alcançado.

Abraços,

Fernando Teixeira

Fernando Teixeira