A Porta

O ano era 1997, eu tinha então 33 anos, a idade de Cristo. E já era um completo derrotado. Com três filhos, um de 5, outra de 3 e um recém-nascido.

Acho que eu esqueci de mencionar que neste momento eu tinha uma empresa. Com 28 funcionários, produtos de alta tecnologia e gente muito boa.

E o equivalente a R$ 4.000.000,00 em impostos atrasados, sem dinheiro para pagar a folha de pagamento e nem fornecedores.

Eu estava chegando perto da exaustão mental e física. Nesta época eu tinha um Chevette Junior, talvez o pior carro 1.0 já fabricado. Na terceira marcha ele chegava a 35 km/h.

Com este Chevette, anos antes, eu ia até Porto Alegre para receber dinheiro de uma venda. Na volta tinha que andar por todo o interior de Santa Catarina e obrigatoriamente vender um produto. Era com o dinheiro desta venda inexistente que a gasolina seria paga.

O mais perto do fundo do poço foi no dia em que foram cortar a luz na minha casa, com três crianças pequenas que seriam afetadas.

Nesta época a empresa já faturava uns 8 milhões por ano e era uma aguerrida fábrica de equipamentos médicos. Mas os sócios não estavam retirando o suficiente.

Peguei o dinheiro da conta de luz no caixa da empresa (!!!), e paguei a conta. Não esqueço aquele dia por nada, vergonha para mim e para os meus.

Voltei para a empresa e sentei na copa. Enquanto tomava um café, comecei a afundar numa onda de auto piedade e desespero.

Então vieram os Anjos!

Um de nossos vendedores veio tomar café e, ao me ver desolado, sentou e simplesmente me disse o seguinte:

“Se você continuar olhando para a porta que está fechando não vai conseguir ver as janelas que estão se abrindo”.

Aquilo me deixou confuso, sai da empresa e comecei a dirigir a esmo, para isso o Chevette servia muito bem. Sem saber como, acabei indo para a casa da minha avó.

Ela era uma sábia representante de uma geração de mulheres que enfrentou dificuldades impensáveis hoje em dia para nós.

Cheguei num dia de semana, por volta de três horas da tarde. Ela não precisou nem de um segundo para entender que, por detrás do meu sorriso, eu sentia uma profunda desesperança.

Aos 73 anos de idade ela já havia visto aquela cena muitas vezes. Como era do seu estilo, bateu palmas e festejou a minha chegada. Café e bolo surgiram do nada e a conversa miúda começou a me acalentar.

Notei o olhar curioso da minha avó, mas em nenhum momento ela perguntou nada. Ao invés disso me falou que iria comprar um carro!

Um carro aos 73 anos de idade! Ela me pediu para indicar uma autoescola, pois iria aprender a dirigir, não tinha medo. 

Abri minha boca para começar a explicar para ela que aquilo era perigoso e que ela não iria conseguir. Ela só olhou para mim com aquele olhar confiante e firme de quem havia criado muitos filhos.

Não precisou falar mais nada.

A lição me atingiu como um raio. Como era possível que ela, aos 73 anos, quisesse fazer algo assim e eu aos 33 pensando em me entregar.

Não tinha o direito de desistir, não sem lutar, não sem espernear e fazer tudo que fosse possível para me reerguer.

Daí para a frente mudei de atitude completamente. Comecei a me exercitar, perdi 21 quilos, voltei a sorrir e lutei muito. Controlamos com mão firme a empresa e seus resultados, sem se render ao medo e ao nosso amadorismo na gestão.

Cinco anos após comemoramos 10 anos de empresa, já líderes em vários segmentos do mercado. Dívida paga e com um grande futuro a frente.

Não consigo me lembrar do que fizemos para resolver, basicamente foi gestão, mas lembro muito bem dos Anjos.

Abraços,
Fernando Teixeira

P.S. “Se você continuar olhando para a porta que está fechando não vai conseguir ver as janelas que estão se abrindo”.

Fernando Teixeira