Máquina

Empreender é uma atividade bem peculiar. Ao mesmo tempo que é realizar um sonho, também é conviver com uma série de coisas estranhas.
 
Uma das coisas mais estranhas é quando você vira uma máquina de tomar decisões. Eu pelo menos passei por isso. 
 
Houve uma época em que a única coisa que eu fazia era tomar decisões. Eu chegava no trabalho e não fazia a menor ideia do que iria fazer naquele dia.
 
Inicialmente eu pensava que isso seria assim em alguns dias e que em outros dias eu teria tempo de fazer o que queria. Mas a porta da minha sala vivia sendo aberta e pessoas após pessoas vinham pedir pela minha onisciente decisão.
 
Vários sentimentos diferentes acompanharam estas épocas. Muito frequentemente eu me sentia irritado e sem escolha. Eu comecei a achar muito ruim não poder me concentrar em nada por mais de 15 minutos. Acho que a primeira fase foi de negação.
 
Depois veio a fase em que comecei a ser mais compreensivo. O raciocínio era o seguinte: com mais de 100 colaboradores, se eu falasse com 30 numa semana já seriam 6 reuniões todo dia. Comecei a achar que era justo para eles poderem falar comigo uma vez por semana.
 
Depois veio a fase da vaidade. Essa foi a pior! Eu comecei a achar que tudo que acontecia era pelo motivo da minha autorização ter sido dada. Excelente maneira de diminuir seus colaboradores e colocar seu empreendimento em risco. 
 
Aí comecei a descobrir que, se eu queria mesmo fazer algo com concentração, a saída era trabalhar fora do horário normal. Hábito que eu tenho até hoje para as tarefas mais demoradas, só que com essa decisão você acrescenta mais quatro horas diárias na sua rotina.
 
O problema de tocar a vida sendo uma máquina de decidir é que isso é um caminho certo para você ter um monte de stress.
 
Acredito que muitos empreendedores acham que tem que tomar o máximo de decisões para manter sua empresa funcionando. Talvez até tenham razão, mas os efeitos colaterais são muito ruins.
 
Seu empreendimento não vai crescer, seus colaboradores não vão crescer, seu lucro vai minguar ou desaparecer. O motivo é que você é apenas um ser humano, nunca poderá estar presente em todos os lugares, saber de tudo e menos ainda estar sempre certo.
 
Como sair disso? 
 
Em primeiro lugar você tem que querer ter lucro, querer formar pessoas e querer crescer. Quase todos os empreendedores que conheço não querem essas três coisas, mesmo quando falam que querem. O fato é que não fazem nada para que aconteçam.
 
Um sintoma disso é dizer assim: “eu não quero ser rico” ou “dinheiro não é importante para mim” e ainda "eu gosto da empresa assim mesmo, pequena". Se já é difícil lucrar e crescer querendo, imagina não querendo.
 
Em segundo lugar tem que largar um pouco as rédeas. Calma, não pare de ler ainda, não precisa deixar o cavalo louco desembestado sair correndo até um precipício. Mas definitivamente você deverá começar a fazer isso um pouco a cada dia.
 
Para começar a deixar os outros decidirem e crescerem eu adotei uma regra. Em decisões que não vão quebrar a empresa irreversivelmente, eu analiso se a pessoa está apta a decidir com pelo menos 70 % da minha capacidade. 
 
Se ela estiver com os tais 70 %,  incentive que ela decida e trinca os dentes e aguenta. 
 
Errou? Primeiro apoie, entenda o erro, ensine e forme ela para melhorar da próxima vez. Lembre que o motivo para que a sua equipe não consiga decidir bem é que você não quis usar o cérebro deles, mesmo tendo pago por isso.
 
Qual é o ponto ideal em que você termina de delegar tudo?

Isso aí é pessoal, mas eu diria que se você conseguir delegar 98 % das decisões é uma boa meta. Esse é aquele ponto em que você tem tempo para viver, pensar e fazer crescer o negócio.
 
Provavelmente hoje você já está nos 98 %, só que ao contrário. Ou seja, você virou a tal da máquina de decidir.
 
Da próxima vez em que alguém chegar para você e perguntar se vamos trabalhar no feriado, responda assim: “o que vocês decidirem está bom para mim, só peço que façam o melhor para o negócio”. 
 
E aproveite o feriado para descansar e recarregar a bateria, independentemente da decisão que eles tomarem.
 
Abraços,
 
Fernando Teixeira
 
P.S. Aquilo que escuto eu esqueço, aquilo que vejo eu lembro, aquilo que faço eu aprendo.
 
Confúcio

Fernando Teixeira