Pedindo Licença

Eu me candidatei ao papel de escrever sobre a vida de empreendedor. Isso requer, antes de mais nada, alguns esclarecimentos sobre se vale a pena ou não você me escutar. Leia um pouco da minha história no empreendedorismo:

Em 1964, na cidade de Resende, nasci com 4,75 kg e na base do fórceps. Minha mãe e eu sobrevivemos, então considero que meu primeiro empreendimento foi bem-sucedido.

Aos 7 anos de idade descobri que no meu prédio havia uma biblioteca, que eu imediatamente comecei a ler, meu objetivo era ler a biblioteca inteira. Li muitos livros, mas nem cheguei perto de arranhar o total da meta.

Deste momento eu tiro duas lições, ansiar por aprender e ter metas altas são importantes para empreender.

Aos 9 anos de idade na estrada do Rio de Janeiro para Goiânia, viajando numa Variant, eu vi um prédio com um telhado engraçado. A pergunta veio rápida, “Pai, o que é este prédio? ”. 

Este prédio era uma fábrica!

Então, do alto da minha ignorância abençoada, eu declarei que um dia eu teria uma destas. Errei! Acabei tendo duas fábricas, uma de equipamentos eletrônicos para medicina e outra na área de metalurgia. 

Aos 16 anos de idade entrei na Universidade de Brasília. Na falta de saber o que fazer fui cursar Química. Aos 18 anos de idade descobri que meu conhecimento em Química Orgânica poderia me dar muito dinheiro. Eu era o único professor particular de Química Orgânica em Brasília e ganhava um baita dinheiro para a época. 

Especialização e exclusividade levam ao lucro, lição aprendida.

Aos 19 anos de idade, faltando duas matérias para formar em Química e já com um convite para trabalhar na fábrica da Skol, eu fiz vestibular e entrei para Engenharia Mecânica.

Nunca concluí o curso de Química.

Não desista de mim ainda, eu fiz isso por dois motivos. O primeiro foi que eu aos 19 anos não me sentia nem de perto pronto para a vida profissional, estava imaturo até como ser humano. O segundo era que eu havia descoberto o amor da minha vida profissional, a engenharia.

As coisas que a gente não faz por amor né? Comecei tudo de novo e a química até hoje mora dentro de mim e me foi útil várias vezes.

Rapidamente eu descobri que Engenharia Mecânica era para os fortes e que eu não estava nem de perto qualificado para fazer este curso. Decidi que ia fazer mesmo assim e me formei na raça. 

Dos 30 que começaram apenas 5 formaram. Eu formei com 1,87 metros e pesava 67 quilos, abaixo disso é desnutrição. Fui ao limite da minha resistência física e emocional. 

O que eu aprendi é que quando você faz algo muito acima da sua capacidade, as outras coisas se tornam muito mais fáceis de serem vencidas.

Um detalhe, já sai da faculdade com o primeiro CNPJ, antes de formar abri com um sócio a Microenge. Empresa que não deixou marcas na sociedade. Abortada por falta de experiência, falta de mercado e por empregos muito bons oferecidos aos sócios. 

Empreender sem experiência requer foco, decida se você quer ser empreendedor ou empregado.

Tomei a decisão certa e fui ser empregado! Só que eu não alugava apenas o meu tempo, eu empreendi como funcionário, trabalhei por cinco anos nos quais aprendi tudo que precisava para ter uma empresa na área de tecnologia. 

A lição é que, se precisar trabalhar para os outros, faça isso atuando com “senso de propriedade funcional”. Termo que pode ser traduzido assim: faça seu trabalho como se a empresa fosse sua, mas não esqueça que ela é dos outros.

Eu deveria ter pago para trabalhar nesta empresa por cinco anos. Ao invés disso eu fui pago. Foi um dos melhores negócios que eu já fiz na vida.

Ser pago para aprender te permite juntar recursos valiosos para empreender, conhecimento e dinheiro.

Quando o aprendizado começou a diminuir e o peso de trabalhar para os outros começou a incomodar, consegui uma bolsa de especialização no exterior. Graças ao meu sócio no primeiro empreendimento, que é um monstro empreendedor até hoje e também meu sócio novamente, saí da zona de conforto uma vez mais.

Morei na Europa por quase 7 meses, estudei numa das melhores escolas industriais, a ISVOR, que é a universidade que a Fiat fundou. Fica exatamente no mesmo prédio onde foi a primeira fábrica da Fiat, em Turim.

Embora eu tenha conseguido uma licença sem remuneração no meu emprego, nem tudo foram flores. Não fui demitido, mas antes mesmo de eu sair já tinha outro em meu lugar. O período na Itália, para o qual não pude levar minha esposa, contribuiu para o fim do meu primeiro casamento.

Se você está fora da zona de conforto pode ter certeza que é desconfortável mesmo. Empreender tem custos pessoais, lição recebida mas confesso que não totalmente aprendida.

Ao voltar o meu substituto foi demitido e reassumi, acho que as empresas gostam de pessoas que tem cabeça de dono.

A crise havia começado na empresa na qual eu estava e comecei a assistir como uma Pessoa Jurídica morre lentamente. Continuei a preparação para ser empreendedor.

O gosto ruim de presenciar um câncer empresarial matar uma empresa, outrora com 450 funcionários, começou a me afetar. 

Tomei a decisão de sair, mas não fiz isso antes de ter alcançado as condições mínimas para empreender. Todos os outros, incluindo sócios minoritários, tomaram a mesma decisão. Não fui um dos primeiros ratos a abandonar o navio e tampouco fui o capitão, último a sair.

Não esqueça que a empresa é dos outros e que, sendo assim, eles fazem o que quiserem dela, inclusive suicídio empresarial.

Não seja uma das vítimas e saia de lugares que se tornam tóxicos para você, antes que seja tarde. 

Fiz isso como funcionário e depois como sócio, pois isso é de bom senso mesmo se você for o dono do negócio!

Aí surgiu a chance de uma vida! Fui procurado por outros três engenheiros para montar uma empresa. O que a empresa iria fazer a gente não fazia ideia, mas eu estava pronto, tinha recursos, uma enorme vontade e certeza de que era o meu caminho.

Assim nasceu a Micromed, empresa hoje com 25 anos de vida, líder em tecnologia para Cardiologia e com atuação discreta mas inovadora no Fitness. Empresa competente, honesta e uma grande vencedora.

Novamente nem tudo foram flores, até diria que atravessamos o vale da morte mais vezes do que havíamos imaginado. Se eu soubesse o que viria pela frente não teria encarado.

Empreender é coisa para quem não tem medo do futuro e uma coisa é certa, mais cedo ou mais tarde problemas vão surgir e você terá que cumprir a pena de ser empreendedor.

Todos os erros possíveis e imagináveis foram cometidos nos primeiros cinco anos. Levamos mais cinco anos para corrigir tudo.

Foram tantas coisas feitas que eu sinceramente não consigo me lembrar de tudo, só me lembro que a disciplina de meus sócios transformou um empreendimento tocado na raça em uma empresa profissional.

Escolha os sócios certos e você irá atravessar um deserto com eles e sair vivo do outro lado.

Aos 29 anos de idade, meu sócio e amigo Ridson, que era alegre, esportista e um grande engenheiro, ficou doente e morreu em 15 dias. 

Estávamos à beira da falência naquele momento, não pude ir ao enterro pois estava num congresso do qual dependia a sobrevivência da empresa. Na véspera da viagem para o congresso, um médico amigo visitou ele na UTI. 

Ao sair, ele me disse para entrar e me despedir do Ridson. 

Eu e meus sócios não falamos nada para ninguém, afinal não somos Deus e ele sim poderia salvar a vida dele. 

Decidimos que eu iria para o congresso e eles ficariam ali apoiando a família e a empresa. Os pedidos que tiramos tinham lágrimas, isso não é pieguice e nem exagero, choramos silenciosamente no estande enquanto salvávamos a empresa.

Até hoje eu não sei que lição tirar disso, tem certas coisas que não são assuntos de Pessoas Jurídicas e sim de gente. 

Como toda empresa que sobrevive no Brasil, esta empresa já viu de tudo. Não sei se você sabe, mas apenas 2,9 % das empresas tem mais de 30 anos de vida no Brasil.

E como tudo tem um fim, aos 21 anos de sociedade eu vendi a minha parte e retomei o caminho do empreendedorismo, coisa que eu já não podia mais fazer naquela empresa. 

Esta nova etapa da história ainda está sendo escrita e se parece muito com a história anterior. Só que agora é avião novo com piloto velho e sócios muito, muito bons. Segundo o comandante Rolim, criador da TAM, isso é uma excelente combinação. 

Embora eu faça muito trabalho de consultoria esta não é a minha profissão, ao escrever este artigo eu tive a certeza da minha profissão. 

Empreendedor, assim como você! 

Ficarei muito honrado se você ler meus artigos sobre a arte de empreender.

Abraços,

Fernando Teixeira

P.S. Saber e não fazer ainda não é saber, ser empreendedor é sinônimo de fazer!

Fernando Teixeira